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quinta-feira, 21 de junho de 2012

Procura-se uma Igreja




Fonte:Forum Gospel Brasil

Procura-se uma igreja que use a Bíblia Sagrada do jeito que era usada no passado não muito distante. Que use a Bíblia como revelação de Deus. Aliás, uma boa bíblia tradicional e fiel, e não as publicações “à la carte” (bíblia para idosos, para jovens, para gays, para empresários, etc.). Não importa que tenha capa preta e letras de tipos antigos. Não importa que uma ou outra palavra precise ser consultada no dicionário. Afinal, a Bíblia deve servir também para aprimorar os conhecimentos de seus leitores. Que use a Bíblia acreditando nela. Confiando em seus escritos, linha por linha, letra por letra. Que creia em sua inerrância e em sua total confiabilidade. Que a use no púlpito, não por pretexto para eventos sociais, políticos ou comerciais, mas como Palavra de Deus, revelação divina para todos os povos.




Procura-se uma igreja que… tenha púlpito. Sim, porque o tablado das igrejas tem abrigado toda sorte de coisas, menos um púlpito. Lá encontram-se baterias, guitarras, pandeiros, atabaques, porta-microfones, câmeras, luzes, castiçais de Israel, óleos de Jerusalém, cartazes comerciais, “links” ao vivo para a tv e internet, mas dificilmente se encontra um púlpito. Para aqueles que não estão familiarizados, púlpito é aquele móvel que os pastores antigamente usavam para colocar as suas bíblias e pregar a Palavra de Deus. Usualmente era colocado no centro da plataforma, numa disposição que alcançasse a todos os presentes, ou mesmo em um dos lados, no alto. O lugar era mais ou menos aquele onde estão os “levitas” ou os animadores do “auditório gospel”. Encontram-se muitos desses móveis antigos nos “museus eclesiásticos”.

Procura-se uma igreja com templo. Não precisa ser um grande templo, nem um pequenino templo. Não precisa ter torre, relógio e cruz, nem tampouco ter um órgão de tubo e um vestíbulo. Apenas um templo, um lugar reservado para adoração a Deus, um lugar onde as pessoas se consagrem para a oração, a meditação, o respeito e a dedicação a Deus. Geralmente encontram-se ex-templos onde hoje estão casas lotéricas, açougues, mercados ou agências bancárias, porque as igrejas que os usavam acabaram por alugar grandes auditórios, cinemas, fábricas, pizzarias ou ginásios esportivos. O templo tornou-se tão obsoleto quanto a adoração tradicional bíblica. O templo não era adequado para a atual “aeróbica cristã”, que faz com que os participantes suem tanto quanto uma boa aula de ginástica.

Procura-se uma igreja que tenha um templo, seja de tijolos, de barro ou de bambus, mas que seja “Casa de Oração”, lugar de adoração, de reverência, de alegria espiritual, de encontro com Deus. Se for grande, muito bom. Se for pequeno, bom também. Se tiver ar condicionado, ótimo. Caso contrário, não haverá problema, desde que o povo tenha consciência de que “a minha casa será chamada CASA DE ORAÇÃO”. (citação das palavras de Jesus em Mateus 21.13).

Procura-se uma igreja que cante hinos. Uma igreja que ainda ouse usar um “Cantor Cristão”, um “”Hinário para o Culto Cristão”, um “Hinário Evangélico,” uma “Harpa Cristã”, um “Melodias de Vitória”, um “Salmos e Hinos” ou outro hinário que contenha as preciosidades da hinódia evangélica. Uma igreja que ouse cantar coisas que vão de encontro à música chamada “do momento”, e ao encontro do coração de Deus, em adoração firmada em verdades da Palavra do Senhor, e não em palhas e restolhos de emoção fútil. Uma igreja que ainda use os hinos publicados em forma de ivrinho, não apenas um retroprojetor com transparências, que priva as pessoas de levarem a letra para casa e estudá-la, decorá-la, entoá-la em sua devocional particular. Uma igreja que cante “Rocha Eterna”, “Fala, Deus”, “Bendita a Hora de Oração”, “Vamos à Igreja”, “Já Refulge a Glória Eterna”, “A Doce Voz do Senhor”, “Tu és Fiel”, “O Rei Está Voltando”, “Grande é Jeová”, etc. Uma igreja que embase o que canta na Palavra de Deus, rejeitando cânticos que não têm razão de ser, como os que dizem que Deus está “passeando” (estaria Ele de férias?) “Agarre as penas das asas dos anjos” (seriam eles galinhas despenando?) , “Dá-me a mão e meu irmão serás” (é tão simples assim? Nem de Cristo se precisa?). Uma igreja que não tenha um “hit parade”, ou um índice das “10 mais de hoje”, mas cante coisas de ontem, de hoje e de sempre, concretas, profundas e ermanentes.

Procura-se uma igreja de gente renascida. Não reencarnada, pois reencarnação não existe (cf Hebreus 9.27). Mas uma igreja de gente que foi regenerada pelo novo nascimento, através de sua conversão à Cristo (Cf. João cap. 3 e II Co 5.17). Uma igreja que abre as portas para o povo do mundo, mas coloca um aviso: “o pecador é bem-vindo; o pecado não!”. Uma igreja que tenha gente que leve a sério o que aprende, que pratique o que ouve ser pregado, que procure ser “luz do mundo” e “sal da terra”, que manifeste as “virtudes daquele que nos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz”. Uma igreja de gente que não fume. Gente que não beba álcool. Gente que não use drogas. Gente que não fale palavrões. Gente que não seja escravizada pelo entretenimento, que não toma a forma do mundo, mas que renova dia a dia o seu entendimento pela Palavra da Verdade. Uma igreja que não tenha receio de firmar posturas indigestas à maioria das outras igrejas, como exigir de seus membros uma vestimenta decente, um namoro moralmente aceitável, um casamento que possua “leito sem mácula”, uma fraternidade construtiva, cidadãos cumpridores de seus compromissos, crentes honestos em suas transações. Uma igreja que pregue o que é certo e viva o que pregue.

Procura-se uma igreja que tenha amor não fingido. Uma igreja que não faça acepção de pessoas. Que não faça uma entrada “só para automóveis”, para evitar que crentes pobres ou sem condução congreguem ali. Uma igreja que não coloque os crentes bem sucedidos nos bancos da frente, e reserve os últimos assentos para os pobres e os inexpressivos socialmente. Uma igreja que não dê assistência apenas para os que têm polpudos salários, desprezando os que contribuem apenas com três míseras moedas de centavos. Uma igreja que não trate seus membros pelo grau de instrução, dignificando o douto e desprezando o inculto, uma igreja que use de amor, misericórdia e atenção para com todos. Uma igreja que não tenha duas leis, dois pesos e duas medidas, disciplinando severamente os que não fazem diferença no orçamento mensal, e encobrindo os adultérios, as desonestidades, as falcatruas, as maledicências e os muitos pecados dos mais ricos. Uma igreja que não coloque um político no púlpito e uma pobre velhinha malcheirosa no canto, junto à porta de saída.

Procura-se uma igreja que tenha pastor. Mas não um pastor do tipo “profissional da área religiosa”, mas “profissional da área celestial”. De preferência um pastor que não tenha especialização em vendas, “tele-marketing” , venda de consórcios ou carnês do baú. Também não precisa ser especialista em análise de mercados e doutor em planos mirabolantes de crescimento de igreja. Procura-se uma igreja cujo pastor esteja mais interessado em pastorear cada um como um filho, que contar cada um como um número. Esse pastor poderia ser até de origem humilde, sem o grau de “latus census” ou “restritus census”. Que tenha apenas “bom census” de levar a sério o seu chamado de “ganhador de almas, amigo do rebanho, pregador da Palavra, intercessor em oração pela sua comunidade, porta-voz da sã doutrina, líder respeitado, manso e cordato”, porém, peremptório em suas afirmações. Um pastor que tenha cara de pastor, coração de pastor, postura de pastor, vida de pastor. Que use a bíblia, não o “manual de igrejas do sucesso” ou “plano de restauração do propósito do discipulado dos grupos da unção” , ou quaisquer outras inovações evangélicas que estejam em alta BMIF – Bolsa de Mercadorias de Igrejas com Futuro. Procura-se um pastor que esteja de joelhos diante do Pai, pois é a única forma de não cair; um pastor que sorria com os que sorriem, chore com os que choram, que visite o pobre, e também o rico; que ame o bonito, e acolha também o feio; que se importe com a dor de um idoso e com a alegria de um jovem. Um pastor que diga a verdade, pela bíblia, doa a quem doer, sem, contudo, jamais perder a ternura. Um pastor que não busque a glória dos homens, mas a glória de Deus; que não esteja de olho nas recompensas terrenas, mas nas celestiais. Um pastor que saiba ser homenageado, rendendo glórias a Deus, e saiba também resignar-se quando for esquecido. Um pastor segundo o coração de Deus.

Procura-se essa igreja.

Aos que souberem o seu paradeiro, favor ligarem para os crentes de bom senso, notificando o achado. Talvez não restem muitas dessas por aí. E me avisem também, para que eu saiba para onde ir, se acaso precisar”.


Porque nós não somos, como muitos, falsificadores da palavra de Deus, antes falamos de Cristo com sinceridade, como de Deus na presença de Deus 2Co 2:17 


sexta-feira, 6 de abril de 2012

A parábola do rio



Havia outrora cinco irmãos, que moravam com o pai num castelo, no alto de uma montanha. O mais velho era um filho obediente. Seus quatro irmãos, todavia, eram rebeldes. O pai tinha-lhes grande cuidado por causa do rio; já lhes havia implorado que ficassem distante da margem, para que não fossem varridos pelo refluxo da maré. Mas eles não ligavam; a atração do rio era-lhes demasiadamente forte.
A cada dia, os quatro irmãos rebeldes arrisca­vam-se cada vez mais perto do rio, até que, uma vez, um deles atreveu-se a tocar a água.

— Segurem a minha mão — gritou ele. — As­sim não cairei.

E seus irmãos o fizeram. Quando ele porém tocou a água, o repuxo arrastou-o com os outros três para dentro da correnteza, rolando-os rio abaixo.
Foram despencando de rocha em rocha, girando no leito do rio. Arrastados pelas vagas, eles se foram. Seus gritos de socorro perde­ram-se na fúria do rio. Embora se debatessem tentando recuperar a estabilidade, foram impotentes contra a força da correnteza. Depois de horas de esforço, renderam-se ao puxão do rio. As águas finalmen­te lançaram-nos à margem, numa terra estranha, num distante país. O lugar era estéril.
Um povo selvagem habitava aquela terra. Não era segura como o lar que eles tinham.
Ventos frios gelavam a terra. Não era quente como o lar que possu­íam.
Montanhas inóspitas assinalavam a terra. Não era convidativa como o lar que conheciam.
Embora não soubessem onde estavam, de uma coisa tinham certe­za: não haviam sido feitos para aquele lugar. Por um longo tempo, os quatro jovens irmãos ficaram deitados na margem, atordoados com a queda, e sem saber para onde se voltarem. Após algum tempo, reuni­ram coragem e tornaram a entrar na água, esperando andar rio acima. Mas a correnteza era demasiadamente forte. Tentaram caminhar ao longo da margem, porém o terreno era íngreme demais. Considera­ram a possibilidade de subir as montanhas, contudo, o cimo era muito alto. Além de tudo, não conheciam o caminho.
Finalmente, fizeram um fogo, e sentaram-se à volta.

— Não deveríamos ter desobedecido nosso pai — admitiram eles. — Estamos a grande distância de casa.

Com o passar do tempo, os filhos aprenderam a sobreviver na terra estranha. Encontraram nozes para alimento, e mataram animais para ter as peles. Eles tinham determinado não esquecer a terra natal, nem abandonar as esperanças de retornar. A cada dia, os quatro aplicavam-se à tarefa de achar alimento e construir abrigo. A cada noite, acendi­am o fogo e contavam histórias de seu pai e do irmão mais velho, ansiando por vê-los novamente.
Então, numa noite, um dos irmãos ausentou-se da fogueira. Os outros o encontraram, na manhã seguinte, no vale com os selvagens. Ele havia construído uma choupana de barro e palha.

— Tenho me cansado de nossas conversas — confessou ele. — De que adianta recordar? Além de que, esta terra não é tão ruim. Vou construir uma grande casa e estabelecer-me aqui.
— Mas aqui não é nosso lar. — Objetaram os outros.
— Não. Mas será, se vocês não pensarem no verdadeiro
— Mas, e nosso pai?
— O que tem ele? Ele não está aqui. Não está por perto. Devo viver para sempre na expectativa de sua chegada? Estou fazendo novos ami­gos; estou aprendendo novos caminhos. Se ele vier, muito que bem, mas eu não vou parar minha vida.

E assim, os outros três deixaram o construtor de cabanas, e se fo­ram. Eles continuaram a se encontrar em volta do fogo, falando do lar e sonhando com o retorno.
Alguns dias depois, o segundo irmão faltou ao encontro da foguei­ra. Na manhã seguinte, os outros dois o acharam no alto de uma ladei­ra, fitando a cabana de seu irmão.

— Que desgosto — desabafou ele, quando os dois se aproximaram. — Nosso irmão é um fracasso total. Um insulto ao nome de nossa famí­lia. Podem imaginar um ato mais desprezível? Construindo uma caba­na, e esquecendo nosso pai?!
— O que ele está fazendo é errado — concordou o mais jovem. — Mas o que fizemos é igualmente mau. Nós desobedecemos. Tocamos o rio. Ignoramos as advertências de nosso pai.
— Bem, podemos ter cometido um ou dois enganos, mas compa­rados àquele coitado da choupana, nós somos santos. Papai vai perdo­ar nosso pecado, e castigar a ele.
— Venha — instaram os dois irmãos. — Volte ao fogo conosco.
— Não. Acho que devo manter o olho em nosso irmão. Alguém precisa conservar uma recordação de seus erros para mostrar a papai.

Assim, os dois retornaram, deixando um irmão construindo e o outro julgando.
Os dois filhos remanescentes ficaram perto do fogo, encorajando-se mutuamente e falando do lar. Então, ao acordar numa manhã, o mais novo achou-se sozinho. Procurou pelo irmão, e encontrou-o per­to do rio, amontoando pedras.

— As coisas não são assim — explicou o amontoador de pedras, enquanto trabalhava. — Meu pai não vem a mim. Eu devo ir a ele. Eu o ofendi. Insultei-o. Falhei com ele. Há apenas uma opção: construirei um caminho de pedras sobre o rio, e irei até a presença de nosso pai. Pedra sobre pedra, eu as amontoarei até que sejam suficientes para eu viajar rio acima, em direção ao castelo. Ao ver quão duro eu tenho trabalhado, e quão diligente tenho sido, nosso pai não terá escolha: aluirá a porta, e me deixará entrar em sua casa.
O último irmão não soube o que dizer. Voltou a sentar-se sozinho junto ao fogo. Certa manhã, ouviu atrás de si uma voz familiar.

— Papai mandou-me buscar vocês, e levá-los para o lar. Levantando os olhos, ele viu a face de seu irmão mais velho.
— Você veio buscar-nos! — Gritou ele. E ambos ficaram abraçados por um longo tempo.
— E os outros? — Perguntou finalmente o mais velho.
— Um fez uma casa aqui. O outro o está olhando. E o terceiro está construindo um caminho sobre o rio.

E assim, o primogênito pôs-se a procurar os irmãos. Foi primeiro à choupana de palha, no vale.
— Fora, estranho! — enxotou o seu irmão, pela janela. — Você não é bem-vindo aqui!
— Eu vim para levá-lo ao lar.
— Mentira! Você veio pegar minha mansão!
— Isto não é uma mansão — ponderou o primogênito — É uma choupana.
— É uma mansão! A mais bela da planície. Eu a construí com mi­nhas próprias mãos. Agora, vá embora. Você não pode ficar com mi­nha mansão.
— Você não se lembra da casa de seu pai?
— Não tenho pai.
— Você nasceu num castelo, numa terra distante, onde o ar é cáli­do, e os frutos, abundantes. Você desobedeceu a seu pai, e acabou nesta terra estranha. Eu vim a fim de levá-lo para casa.
O irmão perscrutou a face do primogênito através da janela, como se estivesse vendo um rosto já visto num sonho. Mas a pausa foi curta, pois, de repente, os selvagens atopetaram a janela também.

— Vá embora, intruso! — exigiram eles. — Esta casa não é sua.
— Vocês estão certos — respondeu o primogênito. — Mas vocês não são nada dele.

Os olhos dos dois irmãos encontraram-se novamente. Mais uma vez o construtor sentiu um aperto no coração, mas os selvagens havi­am conquistado sua confiança.
— Ele quer apenas a sua mansão — gritaram eles. — Mande-o embora! E ele o mandou.
O primogênito foi procurar o segundo irmão. Não teve de ir muito longe. Sobre a ladeira, próximo à cabana, ao alcance da vista dois selva­gens, estava o irmão acusador. Ao ver o primogênito aproximando-se, ele alegrou-se:
— Que bom que você está aqui para ver o pecado de nosso irmão! Você está sabendo que ele voltou as costas ao castelo? Está sabendo que ele nunca mais falou de casa? Eu sabia que você viria, e tenho anotado cuidadosamente as ações dele. Castigue-o! Eu aplaudirei a sua ira. Ele a merece! Trate dos pecados de nosso irmão.
O primogênito falou suavemente:
— Precisamos cuidar de seus pecados primeiro.
— Meus pecados?
— Sim, você desobedeceu o papai.

O irmão deu uma risada sarcástica, e esmurrou o ar.
— Meus pecados não são nada. Lá está o pecador — acusou ele, apontando para a cabana. Deixe-me contar-lhe dos selvagens que fi­cam lá...
— Prefiro que me fale de si mesmo.
— Não se preocupe comigo. Deixe-me mostrar a você quem é que precisa de ajuda — insistiu ele, correndo em direção à choupana. — Venha, nós espiaremos pela janela. Ele nunca me vê. Vamos juntos. — E ele chegou à cabana, antes de perceber que seu irmão mais velho não o seguira.

Depois disso, o primogênito encaminhou-se para o rio. Lá, achou o terceiro irmão, afundado na água até os joelhos, amontoando pedras.
— Papai mandou-me levar você para casa. O outro nem levantou os olhos.
— Não posso conversar agora. Devo trabalhar.
— Papai sabe que você caiu. Contudo, ele o perdoará.
— Ele pode — interrompeu o irmão, esforçando-se por manter o equilíbrio contra a correnteza. Mas antes tenho de chegar ao castelo. Devo construir um atalho sobre o rio. Primeiro lhe mostrarei que sou digno. Então, pedirei sua misericórdia.
— Ele já teve misericórdia de você. Eu o transportarei rio acima. Você jamais será capaz de construir um atalho. O rio é tão comprido! A tarefa é grande demais para você. Papai mandou-me carregá-lo para casa. Eu sou forte.
Pela primeira vez, o amontoador de pedras olhou para cima.

— Como você ousa falar com tanta irreverência? Meu pai não irá me perdoar facilmente. Eu pequei. Cometi um grande pecado! Ele nos disse para evitarmos o rio, e nós desobedecemos. Sou um grande pecador. Preciso trabalhar muito.
— Não, meu irmão, você não precisa de muito trabalho. Você pre­cisa de muita graça. Você não possui força nem pedras suficientes para construir a estrada. Foi por isso que nosso pai me enviou. Ele quer que eu o leve para casa.
— Está dizendo que não consigo? Está querendo dizer que não sou suficientemente forte? Veja meu trabalho. Veja minhas rochas. Eu já posso dar cinco passos!
— Porém ainda faltam cinco milhões à frente!
O irmão mais novo fitou o primogênito com raiva.
— Eu sei quem é você. Você é a voz do mal. Está tentando seduzir-me e afastar-me de meu santo trabalho. Para trás de mim, serpente! — E ele jogou no primogênito a pedra que ia pôr no rio.
— Herético! - gritou o construtor de estrada. - Deixe esta terra. Você não pode me fazer parar! Construirei esta passagem, e apresentar-me-ei ante meu pai. Então ele terá de perdoar-me. Eu conquistarei o seu favor. Serei merecedor da sua compaixão.
O primogênito balançou a cabeça.
— Favor conquistado não é favor. Compaixão merecida não é com­paixão. Eu lhe imploro, deixe-me transportá-lo rio acima.

A resposta foi outra pedrada. Então o primogênito virou-se e saiu. O irmão mais jovem estava esperando junto ao fogo, quando o primogênito retornou.
— Os outros não vêm?
— Não. Um preferiu indultar-se; o outro, julgar; e o terceiro, traba­lhar. Nenhum deles escolheu nosso pai.
— Então eles permanecerão aqui?
O primogênito balançou a cabeça devagar.
— Por enquanto.
— E nós voltaremos ao pai? — indagou o mais novo.
— Sim.
— Ele me perdoará?
— Teria ele me enviado, se não fosse assim?
E então, o mais jovem subiu nas costas do primogênito, e iniciaram a jornada para o lar.


***


Todos os irmãos receberam o mesmo convite. Cada um teve a opor­tunidade de ser carregado pelo irmão mais velho. O primeiro disse não, preferindo uma choupana de palha à casa de seu pai. O segundo disse não, preferindo analisar os erros de seu irmão, em vez dos seus próprios. O terceiro disse não, achando que seria melhor causar uma boa impressão que fazer uma confissão honesta. E o quarto disse sim, escolhendo a gratidão em lugar da culpa.
“Serei indulgente comigo mesmo” — resolveu um dos filhos. “Compararei os outros a mim mesmo” — optou o outro.
“Eu mesmo serei o meu salvador” — determinou o terceiro. “Confiar-me-ei a você” — decidiu o quarto.
Posso fazer-lhe uma indagação crucial? Lendo sobre esses irmãos, qual deles descreve seu relacionamento com Deus? A exemplo do quar­to filho, você tem reconhecido sua incapacidade de fazer sozinho a jornada para o lar? Você tem aceitado a mão estendida de seu Pai? Você está preso nas garras da sua graça?
Ou você tem agido como um dos outros três filhos?
Um hedonista. Um judicialista. Um legalista. Iodos ocupados con­sigo mesmos, rejeitando o pai. Paulo discorre sobre esses três nos pri­meiros três capítulos de Romanos.

Ilustração retirado do livro: Nas Garras da Graça, Max Lucado. CPAD

sábado, 10 de março de 2012

A praga moderna







Nossas pestes - que também as temos - podem ser
menos tenebrosas do que as medievais, que nos faziam
apodreceremvida. Mas, mesmo mais higiênicas, destroem. E se
multiplicam, na medida em que se multiplica o nosso stress. Ou
melhor: o stress é uma das modernas pragas. Quanto mais
naturebas estamos, mais longe da mãe natureza, que por sua
vez reclama e esperneia: tsunamis, tempestades, derretimento
de geleiras, clima destrambelhado. Ser natural passou a não ser
natural. Ser natural estáemgrave crise.
O bom mesmo é ser virtual - mas isso é assunto para
outra coluna, ou várias. Porque, se de um lado somos cada vez
mais cibernéticos e virtuais, de outro cultivamos amores
vampirescos, paixões por lobisomens, e somos fãs de
simpáticos bruxos em revoadas de vassouras. Mudaram, os
nossos ídolos. Não sei se para pior, mas certamente para bem
interessantes. Pois nosso lado contraditório é que nos torna
interessantes, em consultórios de psiquiatras, em textos de
ficcionistas. Também na vida cotidiana aquela velhíssima voz do
instinto, voz das nossas entranhas, deixou de funcionar. Ou
funciona mal. Desafina, resmunga, rosna. A gente não escuta
muita coisa quando, por acaso ou num esforço heroico,
consegue parar, calar a boca, as aflições e a barulheira ao redor.
O que somos mesmo, neste período pós-moderno de
que algumas pessoas tanto se orgulham, é estressados. Não
tem doença em que algum médico ou psiquiatra não sentencie,
depois de recitar os enigmáticos termos médicos: "E tem
também o stress". Para alguns, ele é, aliás, a raiz de todos os
males. Eu digo que é filho da nossa agitação obsessivocompulsiva.
Quanto mais compromissados, mais estressados: é
inevitável, pois as duas coisas andam juntas, gêmeas siamesas
da desgraça. Porque a gente trabalha demais, se cobra demais e
nos cobram demais, porque a gente não tem hora, não tem
tempo, não tem graça. Outro dia alguém medisse: "Dona, eu não
tenho nem o tempo de uma risada". Aquilo ficou em mim,
faquinha cravada no peito.
Um dos nossos mais detestáveis clichês é: "Não tenho
tempo". O que antes era coisa de maridos e de pais mortos de
cansaço e sem cabeça nem para lembrar data de aniversário dos
filhos (ou da mãe deles), agora também é privilégio de mulher.
De eficientes faxineiras a competentíssimas executivas,
passamos de nervosas a estressadas, stress daqueles de fazer
cair cabelo aos tufos.
Não sei se calvície feminina vai ser um dos preços
dessa nossa entrada a todo o vapor no mercado de trabalho -
pois ainda temos a casa, o marido, os filhos, a creche, o pediatra,
o ortodontista, a aula de dança ou de judô dos meninos, de inglês
ou de mandarim (que acho o máximo, "meu filhinho de 6 anos
estuda mandarim") -, mas a verdade é que o stress nos domina.
É nosso novo amante, novo rival da família e da curtição de todas
as boas coisas da vida.
Que pena. Houve uma época em que a gente resolvia,
meio às escondidas, dar uma descansadinha: 4 da tarde, a gente
deitada no sofá por dez minutos, pernas pra cima... e eis que, no
umbral da porta, mãos na cintura ou dedo em riste, lá apareciam
nossa mãe, avós, tias, dizendo com olhos arregalados:
"Como??? Quatro da tarde e você aí, de pernas pra cima, sem fazer nada?".
Era preciso alguma energia para espantar os tais
fantasmas. Neste momento, porém, eles nem precisam agir:
todos nós, homens e mulheres, botamos nos ombros cruzes de
vários tamanhos, com prego ou sem prego, com ou sem coroa de
espinhos. São tantos os monstros, deveres, trânsito,
supermercado, dívidas e pressões, que - loucura das loucuras -
começamos a esquecer nossos bebês no carro. Saímos para
trabalhar e, quando voltamos, horas depois, lá está a tragédia
das tragédias, o fim da nossa vida: a criança, vítima não do calor,
dos vidros fechados, mas do nosso stress. Começo a ficar com
medo, não do destino, eterno culpado, não da vida nem dos
deuses, mas disso que, robotizados, estamos fazendo a nós
mesmos.


por Lya Luft
(Veja ed 2141, p28)